terça-feira, 21 de agosto de 2012

A árvore

Não me lembro de onde vim, mas a minha vizinha contava-me que tinha chegado carregada por uma borboleta.

Quando era pequena estava rodeada de árvores, todas maiores que eu.
Era difícil chegar ao sol, por isso ficava feliz com um pequeno raio que me chegasse, que me deixasse comer e crescer. Eu lá conseguia e crescia dia após dia, milímetro a milímetro, anel a anel. A vizinha lá ia dizendo, feliz, "Estás maior minha filha!". Nunca soube de onde era a minha mãe, se está longe, se está perto. Connosco é assim.

Com o tempo cheguei lá acima, fiquei igual à vizinha e às outras todas.
O sol banhava-me e dava'me força para encontrar alimento na terra fértil. Era fácil comer e eu adorava quando a chuva caía, limpava-me as folhas e matava-me a sede na terra. Eu era feliz. Tive ninhos nos ramos e insectos no tronco. Vi pequenas a crescer como eu fiz e acolhi florzinhas entre as minhas raízes.

E um dia, tudo mudou.
Vieram as máquinas, ouvia-as lá ao fundo. Não sabia porquê, mas elas iam abrindo o caminho ao sol, parecia um presente, fiquei contente. Mas depois, elas aproximaram-se e eu entendi. Vi as outras a serem cortadas, a serem privadas da vida delas. Tive medo, cada vez mais medo, enquanto elas chegavam perto de mim. Chorei por dentro quando a máquina levou a vizinha. Doeu muito. Tanto que nem dei conta quando foi a minha vez.

Amontoaram-me com as outras todas. Levaram-nos dali, para uma fábrica. Fizeram de mim uma folha de papel.

Meteram-me numa resma, entre muitas que ficaram iguais a mim. Não conseguia respirar e esta escuro. Às vezes ouvia vozes e passos que vinham em direcção a mim. Sentia que pegavam em nós, mas logo nos atiravam com brutalidade para algures e afastavam-se. Achei que nunca mais ia ver o sol
Mas um dia, quando vieram, o que fizeram mudou. Ouvi um ruído que não conhecia, estranhamente assustador, mas que me deu a saborear o sol outra vez.

Pegaram nalgumas das que estavam em cima de mim e levaram-nas para algures. E eu fiquei ali, a saborear o pouco de sol que me chegava e com mais facilidade em respirar. Talvez não fosse tão mau assim. As folhas acima de mim iam sendo levadas aos poucos e eu ficava mais aliviada. Até que foi a minha vez. Com mais umas quantas, pegaram em mim e levaram'me. Colocaram-me em pé, apoiada, junto a uma maquina. Passado um bocado fui puxada pela maquina. Salpicou-me de tinta, fez-me cócegas, sujou-me com símbolos que eu não entendia. Uma mão puxou'me de novo e levou-me. Rabiscou em mim, nem fez letra bonita. Fui usada, desperdiçada. A luta para crescer não me valeu de nada. Quando não fazia mais falta, fui amarrotada e atirada para um sitio qualquer.

Não sabia o que ia acontecer.
Veio uma menina, pequenina, feliz como eu quando era uma árvorezinha que aos poucos crescia. Alisou-me em cima de uma mesa, com cuidado. Dobrou-me e fez de mim algo mais que uma simples folha de papel. "Que lindo barquinho!". Segurou-me com cuidado nas suas mãos pequeninas e delicadas e levou-me onde o sol brilha e onde havia mais árvores, iguais à que eu fui um dia. Alguém gostava de mim. Como a vizinha. Senti-me amada de novo.

"Agora vais chegar até mar!", disse-me feliz, nas forma atrapalhada com que as crianças falam. Não entendi, mas achei que era bom. Pousou-me sobre um riacho que corria e eu fui, com a água. A menina ficou lá para trás. Alegre, ria-se. Abandonou-me.

Chorei. E nunca soube o que era o mar. Desfiz-me antes de lá chegar.

[Este é um conto que escrevi, parte da secção "A imaginação também fala!"]

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