domingo, 9 de setembro de 2012

Invisível

Só agora olho para o passado e a vejo lá. Escondida, sofrida numa história que lhe pertencia, mas que às tantas lhe foi roubada. Por mim e por outras tantas.

Talvez não sejam memórias de um grande amor ou não passem de parvoíces da adolescência, mas estivemos todos lá e, de uma maneira ou de outra, todos nos moldamos e magoamos uns aos outros com a nossa forma de agir.

Ele pertencia-lhe, eram os melhores amigos. Cúmplices, falavam de tudo, trocavam segredos e afectos. E ela era feliz com a amizade dele. Mesmo alimentando, secretamente, uma paixão dentro dela.

Não consigo ainda ter a certeza de quem foi a primeira pessoa a meter-se no caminho deles, mas muitas vezes acredito que fui eu. Da mesma maneira que não me lembro de como o conheci, provavelmente porque, quando aconteceu, parecia que o tinha tido por perto desde sempre. A nossa amizade cresceu e o que eu sentia tornou-se maior do que o que devia ter sido. Acho sempre que fui a primeira a tirar-lhes a cumplicidade, o tempo que tinham um para o outro, na necessidade de o ter mais tempo para mim. E quando não estava com ele, procurava-a ela, cega por saber mais sobre ele, por saber melhor como agir.

Ele sabia o que eu sentia. Pela primeira vez, não hesitei em demonstra-lo. Ou em demonstrar o que julgava sentir. Cheguei a chamar-lhe amor, embora sempre tenha sabido que não era disso que se tratava. Era mais a vontade de o ter para mim e o não querer partilhar a nossa ligação com mais ninguém. Fui a primeira a arruiná-la. No fundo, a nossa relação não era mais que aquilo. Um carinho recalcado, um egoísmo louco da minha parte e uma cobardia fenomenal da parte dele. Nunca atou nem desatou.

Começou por ser uma aproximação por minha causa, a deles. Ele, o troféu apetecível, a única causa na minha vida corrente e ela, a amiga, a apoiante, a minha confidente por aqueles dias. O que aconteceu entre eles, aos meus olhos, era uma deja-vu do que tinha acontecido entre nós. Mas eu já lá não estava. Era ela, no meu lugar. Chorei. Pensei em mim e chorei.

Ele, não sendo o menino bonito ou algo do género, tinha uma mística que atraía quem lhe surgia à volta. Não foi novidade quando apareceu uma nova ela, mais uma no mesmo círculo. Voltou a apunhalar-me o ego ferido, mas não surpreendeu. Eu não me soube afastar da situação. Ninguém soube. Usava a única arma que tinha, a capacidade de manipular as pessoas à minha volta. A uma, fazia acreditar que aquilo não era mais que um capricho, à outra fazia acreditar que era errado, que eu cheguei primeiro. E ele, alimentado pela atenção, incapaz de tomar posição, não escolhia, não afastava nem se aproximava mais de uma do que de outra. Era um bocadinho de uma, um bocadinho de todas.

Menos dela. Dela, que desde o início foi invisível para mim, foi invisível para todos, foi invisível para ele. A amizade bonita, que havia antes chegarmos e metermo-nos entre ela apagou-se, tal lâmpada a que se rompem os filamentos. Foi como se a tivéssemos apagado da fotografia, o sorriso amável, de quem prefere sofrer só a entrar numa guerra suja.

Ninguém ficou com ele. Ninguém se preocupa com ele, hoje. Ninguém sabe, sequer, dele.

E quando olho para trás, não é dele que me lembro, mas sim dela. Não a invejo, mas admiro. E vivo na certeza de que, no fim, ela é hoje a mais feliz de todos. Espero sempre isso, por ela ter sido sempre também a única boa pessoa nesta história.

[Este é um conto que escrevi, parte da secção "A imaginação também fala!"]

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